sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Na Volta Que o Mundo Dá (oiça aqui)
Mônica Salmaso
Composição: Vicente Barreto e Paulo César Pinheiro
Um dia eu senti um desejo profundo
De me aventurar nesse mundo
Pra ver onde o mundo vai dar
E fui prum convés de navio
Seguindo pros rumos do mar
Pisei muito porto de língua estrangeira
Amei muita moça solteira
Fiz muita cantiga por lá
O mundo pra mim ficou perto
E a terra parou de rodar
Com o tempo
Foi dando uma coisa em meu peito
Um aperto difícil da gente explicar
Tristeza, não sei bem por que
Vontade até sem querer de chorar
Angústia de não se entender
Um tédio que a gente nem crê
Anseio de tudo esquecer e voltar
Telegrafei pro meu mano
Dizendo que ia chegar
Agora aprendi por que o mundo dá volta
Quanto mais a gente se solta
Mais fica no mesmo lugar
sexta-feira, fevereiro 09, 2007
a Luz de Moacyr
Moacyr Luz (1988) Independente | Vitória da Ilusão (1995) Caju Music | Mandingueiro (1998) Dabliú | Na Galeria (2001) Lua Discos |
Samba da Cidade (2003) Lua Discos | A Sedução Carioca do Poeta Brasileiro (2005) | Violão e Voz (2005) Deckdisc | |
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Violonista, compositor, produtor e intérprete, o carioca Moacyr da Luz Silva (n. 05 de abril de 1958) é um dos representantes mais significativos do samba dos últimos 15 anos.
Com a infância musicalmente influenciada por seu avô clarinetista e músico da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, Moacyr iniciou-se ao violão aos 15 anos de idade, logo depois da morte de seu pai. Sempre em companhia do guitarrista e violonista Hélio Delmiro, seu primeiro "orientador" no instrumento, Moacyr circulou pelos bastidores da MPB setentista, dos ensaios de Elizeth Cardoso aos shows de Elis Regina.
Firmando-se como violonista, Moacyr Luz vê, em 1979, sua primeira composição ser gravada. A cantora Lana Bittencourt, "A Internacional", grava "Eu me descubro", e batiza a iniciante carreira do compositor flamenguista.
Cinco anos depois, conhece o letrista carioca Aldir Blanc, que se tornaria seu parceiro mais constante. Inauguram o casamento artístico com a produção de uma série de sambas e canções. Entre dezembro de 1987 e janeiro de 88, Moacyr grava no Rio de Janeiro nove composições assinadas com Blanc e que seriam a matéria-prima de seu primeiro álbum, homônimo, lançado pelo selo Acre.
... a ler em Gafieiras
(no mesmo site, indispensável ler a entrevista a Moacyr - Devoto dos bons temperos)
quarta-feira, fevereiro 07, 2007
Naná - Eu fiz o primeiro disco, chamado Africadeus, lá em Paris. Aí um dia me convidaram pra ir num programa de televisão, num desses programas com crianças. Ia um doutor, uma autoridade da psiquiatria infantil da França. E me convidaram por causa dos sons que eu tirava. Eles iam falar sobre o sonho. E cheguei no estúdio do programa começar e as crianças já estavam lá sentadas esperando. Simplesmente toquei o berimbau. "Oh, mas o que é isso?" E o doutor, que estava observando, ficou louco! E como já estava lutando com o governo pra abrir um projeto da não-técnica, da não-musicoterapia, e queria uma pessoa livre, ele me convidou. A idéia dele era fantástica! "Mas eu não falo francês!", eu disse. "Não precisa. Quero é o que você faz com a música." Aí ele me explicou um pouco e foi assim... Fui e comecei a entender. Eu, não o músico, mas a música. E a música é a mais imediata das artes, porque mexe com os sentimentos, vai do silêncio ao grito. Uma criança para ficar alegre ou se acalmar ou toma um comprimido, uma injeção, ou ouve uma música. Havia eu, com música, e um pintor, que trabalhava com cerâmica... E foi aí que fui me agarrar mais ainda às minhas coisas, as coisas do Brasil. Falar da natureza, mostrar como eu fazia instrumentos com coisas que vinham de árvores. Aprendi isso com as crianças e também a me centralizar mais. Mostrei a elas, por meio da música, a respiração, o ouvir, a ficar em silêncio.
Gafieiras – E por quanto tempo manteve esse trabalho?
Naná - Eu fiquei dois anos e meio trabalhando nessa clínica.
Gafieiras – E depois no Brasil, não?
Naná – Aqui eu fiz muito pouco. Tenho um projeto itinerante chamado ABC Musical, que é um absurdo que não seja feito em todo o país. Cada estado nosso tem uma orquestra que é do estado ou do município; tem um teatro, que é do estado ou do município; e ainda tem as escolas públicas. É para fazer em todas as cidades do Brasil. Coloquei juntas três suítes de músicas folclóricas brasileiras. Cada canção da suíte vem de uma região. E o maestro Gil Jardim, que trabalhou comigo, abraçou essa idéia pra arranjar tudo pra a sinfônica. Numa cidade, visito as escolas públicas com crianças de sete a dez anos, que é uma idade ótima pra lidar com essas coisas. Aí começo a selecioná-las e fico com 700. Foi assim em São Paulo. Passei o pente fino pra ficar com 100, 120 crianças que cantavam. Não quero um coral. Se quisesse ia diretamente num coral. Mas é para a criança aprender sobre o Brasil por meio do folclore. Tem a música do amanhecer: [ canta ] "É de manhã, vou buscar minha fulô / A barra do dia vem, e o galo cocorocô / É de manhã, vou buscar minha fulô”. É da Bahia isso. “Iaiá vem ver, vem ver Iaiá / Iaiá vem ver a sereia lá no mar / Ó Iaiá vem, ver.” Então, quando mostro essas músicas para a criança, eu digo qual é sua origem; se tiver uma dança, eu mostro como é. Aí tem música da manhã, do dia, da tarde e da noite. No folclore tem toda essa coisa. E de todas regiões do Brasil. A criança aprende. “Você é de onde?” "Eu sou do Maranhão." “Ah, sei uma música da sua terra.” Fui criança e na escola havia música, música orfeônica. Tinha que saber cantar os hinos todos, mas havia as canções também. [ canta ] "Vou me embora, vou me embora, prenda minha / Tenho muito que fazer...” Eu lá em Pernambuco canto uma música do Sul. Era uma coisa do Villa-Lobos, que na época colocava uma banda com 200 músicos e 40 mil crianças. Ele queria provar para o Getúlio Vargas que a música era mais forte que as armas.
para ler na integra: entrevista a Naná, O bolo está na mesa de Dafne Sampaio, no site Gafieiras
adenda: para quem não conhecia o site Gafieiras fica a dica. É dos melhores sites de música brasileira.
No trilho de Naná
Naná Vasconcelos, de 62 anos, só se deu conta de que a voz é o elemento mais forte do cd Trilhas depois que o álbum ficou pronto. Coletânea dos principais trabalhos do percussionista e compositor pemambucano para cinema, teatro e dança, o disco chega ao mercado no momento em que o artista comemora 50 anos de carreira, ainda que ele renegue a importância da data. Essa história de cinquentenário é horrível. Parece que estou prestes a me aposentar, quando, na verdade, eu me sinto com 26 anos.
Paralelamente, o percussionista protagoniza o documentário Diário de Naná, do diretor paulistano Paschoal Samoura, de 38 anos. Premiado pela Associação Brasileira de Documentaristas (ABD) no festival É Tudo Verdade, em São Paulo, acaba de ser selecionado para a mostra competitiva do Festival de Amsterdã, na Holanda. Na seqüência, o filme será exibido no Festival de Havana, em Cuba. "O som de Naná beira o divino, o sagrado", derrama-se Paschoal. O músico fez a trilha sonora do primeiro filme dele, o documentário Confidências do Rio das Mortes (1998), rodado em Minas Gerais.
Enquanto não saem em disco as canções de Diário de Nana, criadas enquanto o filme era rodado entre Salvador e o Recôncavo Baiano, os fãs do pernambucano podem se deliciar com Trilhas. No cd, destaca-se o trabalho de Naná para o longa-metragem Quase dois irmãos, de Lúcia Murat, e o balé Corpos de luz, da Cia. Dança Vida, de Ribeirão Preto. No repertório, há também Incelença, peça composta para a Cia. Balé de Rua, de Uberlândia, inspirada nos cantos de velório, de domínio popular.
Engraçado. Quando as pessoas me procuram para fazer uma trilha, quase sempre querem que eu use a voz, conta Nana. Basicamente, ele lança mão da harmonia e do berirnbau para compor. Não sou cantor, nem gosto de pensar nisso; reage, admitindo que usa o recurso quando não tem alternativa. "Dois irmãos", por exemplo, eu queria que fosse cantada por Milton Nascimento, revela. O cantor só não gravou o tema do filme de Lúcia Murat porque tinha compromissos na época. Eu também não sou letrista, ressalta Naná. De repente, ele se vê fazendo coisas a que não costuma se dedicar - como letras de música e cantar no cd "Trilhas".
Segundo Naná, seu timbre gutural, a voz não afinada (mas não desafinada) e semitonada despertam interesse não apenas no Brasil. Pat Metheny é um dos que gostam; afirma, citando o guitarrista americano como um dos fãs de sua música original. Ao compor uma trilha sonora, Naná Vasconcelos pensa, obrigatoriamente, no potencial do aspecto visual, que, em sua opinião, é muito grande.
Já em meus shows, gosto de contar histórias por meio do som. Componho pensando no cenário, esclarece, lembrando que a influência vem do mestre Heitor Villa-Lobos, cujo Trenzinho caipira é exemplo do gênero musical que ele gosta de trabalhar. Villa-Lobos me mostrou esse lado da composição, revela.
Milton Nascimento, com quem Naná trabalhou, também é autor de forte potencial musical, na opinião do percussionista. Quando ele mostrou Pai grande, pensei imediatamente na história de um navio negreiro. Pedi e ele deixou que eu colocasse esse navio descendo O Rio Amazonas, diz, relembrando, poeticamente, a época em que integrava a banda do líder do Clube da Esquina A estréia de Naná em trilhas sonoras ocorreu no cinema em 1970, com "Pindorama" de Arnaldo Jabor.
Uma década depois, Glauber Rocha, com quem ele morou em Nova York, incluiu a canção Amazonas no filme "Idade da Pedra". Na dança, os convites vêm principalmente de companhias contemporâneas do exterior, como o Hamburg Ballet, da Alemanha Na França, chegou a fazer trilhas para telenovelas. Entre os filmes que musicou, estão "Procura-se Susan desesperadamente", de Susan Seidelman, "Daubailó", de Jim Jarmusch, e "Amazonas", de Mika Kaurismãki.
Gosto de trabalhar com diretores e coreógrafos para a gente poder respirar juntos; afirma o percussionista. Ele explica que, assim, pode encontrar o momento do silêncio que sua música sabe explorar tão bem Apesar do uso desse recurso em praticamente todo o disco, Naná acredita que o primeiro instrumento seja, realmente, a voz. Mas o melhor é o corpo, que gosto de utilizar ao vivo, não em gravações. O corpo é bonito de ver. Essa é uma expe. riência para ser vivida.
Em Diário de Naná, do diretor Paschoal Samora, o percussionista e compositor busca o sagrado. Nunca tinha estado lá Sugeri que o filme fosse no Recôncavo Baiano, porque ali estão as grandes figuras do afro, que nunca desceram para Salvador diz. Além das cenas da capital, há tomadas em Santo Amaro, Cachoeira e São Félix. Na verdade, trata-se do diário de um viajante, em que o percussionista traz à tona a música e a cultura da região. Naná é estrangeiro o suficiente para fazer essa incursão no Recôncavo Baiano'; diz Paschoal Samora, lembrando que, além de pemambucano de origem, o artista morou muito tempo no exterior.
A idéia do filme é mapear os sons que só se produzem lá, diz o diretor. Além de Dona Edith do Prato, Virgínia Rodrigues e o grupo Meninos do Bagunçaço, o Diário de Nana traz à cena as mães-de-santo Baiacu Luiza, que morreu dias depois das filmagens, e Filhinha Nossa intenção era de que algo se transformasse em Naná e não apenas que ele fizesse uma viagem. A idéia era um filme de descoberta, acrescenta Paschoal.
De acordo com ele, o documentário promove a viagem de Naná para dentro de si, de suas raízes e histórias, incluindo as raízes africanas. Além de tocar, o percussionista aparece pesquisando sons da cultura e da natureza - do mar à feira e ao trem. Diário de Naná deve chegar aos cinemas no ano que vem, para ser exibido na Tv e lançado em dvd.
Clube de Jazz, Jacky Lepage
sexta-feira, fevereiro 02, 2007
Vou contar-vos outro pequeno segredo:
terça-feira, janeiro 30, 2007
segunda-feira, janeiro 29, 2007
toda a beleza é imperfeita, se ninguém existe para a celebrar
Segundo Píndaro, Zeus, após ter organizado o mundo inteiro, perguntou aos deuses que estavam espantados perante tal fulgor, se ainda faltava alguma coisa à sua bem-aventurança. Ao que os deuses responderam que não criara ninguém que se apresentasse e enaltecesse de um modo adequado a obra de Zeus. E assim nasceram os poetas.
A estranha cacografia
sexta-feira, janeiro 26, 2007
tem pão velho?
Pensei escrever qualquer coisa acerca de Emmanuel Marinho compositor de poemas, actor, cancioneiro de palavras coloridas, sonoras e doces, mas não gaSTAS. Mas não, resolvi apenas transcrever de um jacto a letra do seu poema musicado Genocíndio, penso que o neologismo fala por si. Como ele diz: a poesia tem de ler o mundo, tem de perturbar a ordem publica e protestar nas praças pela paz. A voz é do saudoso Itamar Assumpção, oiça aqui.
GENOCÍNDIO
tem pão velho?
não, criança
tem o pão que o diabo amassou
tem sangue de índios nas ruas
e quando é noite
a lua geme aflita
por seus filhos mortos.
tem pão velho?
não, criança
temos comida farta em nossas mesas
abençoada de toalhas de linho, talheres
temos mulheres servis, geladeiras
automóveis, fogão
mas não temos pão.
tem pão velho?
não, criança
temos asfalto, água encanada
super-mercados, edifícios
temos pátria, pinga, prisões
armas e ofícios
mas não temos pão.
tem pão velho?
não, criança
tem sua fome travestida de trapos
nas calçadas
que tragam seus pezinhos
de anjo faminto e frágil
pedindo pão velho pela vida
temos luzes sem alma pelas avenidas
temos índias suicidas
mas não temos pão.
tem pão velho?
não, criança
temos mísseis, satélites
computadores, radares
temos canhões, navios, usinas nucleares
mas não temos pão.
tem pão velho?
não, criança
tem o pão que o diabo amassou
tem sangue de índios nas ruas
e quando é noite
a lua geme aflita
por seus filhos mortos.
tem pão velho?
quinta-feira, janeiro 25, 2007
Sentem-se que a mesa já está posta
Já Aristóteles o dizia, e aqui se volta a afirmar, que é irrelevante examinar todas as opiniões.
Crianças, doentes e loucos têm-nas, no entanto ninguém no seu perfeito juízo as discutiria com eles.
... na loja da opinão pública, a funcionária pergunta:
Não é de argumentos que precisam, mas sim uns de idade para crescer, outros de correção médica ou política. Que o digam os políticos do nosso Para-lamento.
O vulgo tem sempre algo a dizer sobre qualquer assunto. Mas o problema não é ter opinião, mas pô-la à prova.
- Desejo ter muitas opiniões, mas não me peça para pensar, pois isso cansa. Desejo saber um pouco de tudo, mas não quero ter mais pre-ocupações.
Do bom selvagem de Rousseau ao pessimismo de Hobbes o problema da convenção mantém-se em cima da mesa pública onde os homens se deveriam encontrar. Não como conteúdo, como uma lei (nomos) ou convenção (thesis) em particular, mas como valor. Qual o seu valor para cidade, para o homem?
Em tempos de indigência, de horror à dúvida, onde investigar é apenas repetir a mesma pergunta; e responder é engalanar o discurso com verbos e nomes elegantemente associados, enfim, locuções rebuscadas: vale tudo, por que já nada vale.
Apenas uma ressalva: desde que esse nada não seja muito cansativo, nem traga muitas pre-ocupações.
Vociferando palavras de des-ordem, a turba se agita, como as ondas do mar em tempo de tempestade. No meio da multidão alguém com os pés assentes na terra diz: Para! O homem possesso, no meio da praça, engata a bala e dispara. “Diz pensa” qualquer moral ou extrapolação. Dois pontos, exclamação e uma vitima. O pobre homem ficou ali estendido no meio praça a esvair-se em sangue.
Sirvamos seu sangue aos homens, façamos como os Espartanos uma refeição pública, syssitia, para promover o sentido de pertença.
- Sentem-se que a mesa já está posta.
Assim habito
Horácio
quarta-feira, janeiro 24, 2007
Porquê descomeçar?
Para escutar as cores dos passarinhos.
Assim Habito
Horácio
quarta-feira, março 29, 2006
Poema da Alienação
Não é este ainda o meu poema
o poema da minha alma e do meu sangue
não
Eu ainda não sei nem posso escrever o meu poema o grande poema que sinto já circular em mim
O meu poema anda por aí vadio
no mato ou na cidade
na voz do vento
no marulhar do mar
no Gesto e no Ser
O meu poema anda por aí fora
envolto em panos garridos
vendendo-se
vendendo
“ma limonje ma limonjééé”
O meu poema corre nas ruas
com um quibalo podre à cabeça
oferecendo-se
oferecendo
“carapau sardinha motona
jí ferrera ji ferrerééé”
O meu poema calcorreia ruas
“olha a probíncia” “diááário”
e nenhum jornal traz ainda
o meu poema
O meu poema entra nos cafés
“amanhã anda a roda amanhã anda a roda”
e a roda do meu poema
gira que gira
volta que volta
nunca muda
“amanhã anda a roda
amanhã anda a roda”
O meu poema vem do Musseque
ao Sábado traz a roupa
à Segunda leva a roupa
ao Sábado entrega a roupa e entrega-se
à Segunda entrega-se e leva a roupa
O meu poema está na aflição
da filha da lavadeira
esquiva
no quarto fechado
do patrão nuinho a passear
a fazer apetite a querer violar
O meu poema é quitata
no Musseque à porta caída duma cubata
“remexe remexe
paga dinheiro
vem dormir comigo”
O meu poema joga a bola despreocupado
no grupo onde todo o mundo é criado
e grita
“obeçaite golo golo”
O meu poema é contratado
anda nos cafezais a trabalhar
o contrato é um fardo
que custa a carregar
“managambééé”
O meu poema anda descalço na rua
O meu poema carrega sacos no porto
enche porões
esvazia porões
e arranja força cantando
“tué tué trr
arrimbuim puim puim”
O meu poema vai nas cordas
encontrou cipaio
tinha imposto, o patrão
esqueceu assinar o cartão
vai na estrada
cabelo cortado
“cabeça rapada
galinha assada
ó Zé”
picareta que pesa
chicote que canta
O meu poema anda na praça
trabalha na cozinha
vai à oficina
enche a taberna e a cadeia
é pobre roto e sujo
vive na noite da ignorância
O meu poema nada sabe de si
nem sabe pedir
O meu poema foi feito para se dar
para se entregar
sem nada exigir
Mas o meu poema não é fatalista
o meu poema é um poema que já quer
e já sabe
o meu poema sou eu-branco
montado em mim – preto
a cavalgar pela vida.
segunda-feira, março 27, 2006
Versos desencontrados
Eu deveria acreditar!
Nem no amor, nem na vida. - As ilusões,
Mesmo até quando vêm disfarçadas
E já conhecem o cliente, hesitam,
E chegam a partir envergonhadas...
As ilusões -
Também têm os seus mais preferidos;
E àqueles que ficaram na ruína
Do pensamento, e são - por graça de conquista
Os pálidos mortais desiludidos,
A esses já não correm muito afoitas
Na mentira das grandes fantasias!
- É por isso que eu hoje ainda vivo
À margem das ridículas tragédias
Que lemos nos jornais todos os dias.
Atulham-se os presídios; no degredo,
Atados à saudade, vão ficando,
- Como lesmas ao luar, esses que matam,
E pelo amor tombaram na desgraça:
- Um sonho, um beijo, uma mulher que passa!
Só a guitarra os lembra ao triste fado
Nos ecos diluídos e chorosos
E fundos do lusíada, coitado!
Eu olho para tudo que enxameia
Nesta viela escura da existência
Como quem se debruça num abismo
E fica revolvendo a consciência
Na tristeza infinita de um olhar!...
- A humanidade é vil e o seu egoísmo
Tem base na vileza de vexar.
Sim;
Por qualquer coisa os homens tudo vendem:
Palavra, dignidade, a própria vida,
Só porque desconhecem a doutrina
Bendita de Jesus; - esse tesoiro,
Essa fonte de luz onde aprendi
A ser leal e amigo e a respeitar
Aquela que nos risos do meu lar
Desembaraça os fios de uma queixa
No mistério que cinge o verbo amar.
Mas quando um ano acaba e outro vem,
Embora a minha fronte e os meus cabelos
Envelheçam na marcha para o fim
E um sabor de renúncia e de cansaço
Vibre, cantando, aqui, dentro de mim,
Rebenta-me no peito uma esperança
Tão lúcida, tão viva, e tão ungida
Na fé que ponho erguendo a minha prece -
Que peço a Deus do fundo da minha alma
Que a todos os que sofrem neste mundo
Dê o conforto de uma vida calma.
António Botto
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
O som nosso de cada dia
E é assim: Hermeto regressa com a sua "patroa" Aline em Chimarrão com Rapadura
"CM – E como é esse trabalho com a Aline?
Hermeto – O nome da criança é Chimarrão com Rapadura. É um DVD e um CD lindo. Tudo independente. Vai ser lançado agora, no próximo mês. Não é um som mais novo que um ou que outro. É um som todo. É música universal. Tem muito canto. Mas é o cantar verdadeiro. O que nós chamamos de fala. Estou falando, estou cantando."
Vale a pena visitar o site de Hermeto e Aline Moreno, para além da informação dá para ouvir um trechinho do álbum.
A entrevista dada recentemente por Hermeto, à Agência Carta Maior, também vale a pena ler, tem umas passagens curiosas e polémicas:
"CM – E qual é a diferença entre inovar e mudar as coisas de lugar?
Hermeto – Muita gente confunde inovar com idade, com números. Muita gente pensa que, quando um menino pega um violão e sai cantando, o povo acha que aquilo é coisa nova. Tem muita gente de 18 anos tocando coisas velhas e quadradas. Esse pessoal que toca chorinho, músicas regionais, MPB, começa a tocar que nem velho, com cara de velho. Quem nasce hoje precisa ser bem informado. O cara nasce e escuta Pixinguinha. A música é bonita e tem aquela vestimenta quadrada de acordes. Se o cara nasce hoje e não falarem para ele que isso é música antiga, é a mesma coisa que ele ver um prédio antigo sem saber que é antigo. Não é que o velho seja ruim. Mas o novo tem nascido tão velho. A música universal para nascer consciente precisa de confraternização. Se eu fosse cientista e descobrisse a cura do câncer, eu sairia gritando na rua para os meus colegas médicos para curarmos o mundo logo. Mas as pessoas gostam de guardar os segredos e carregá-los para tirar proveito daquilo. A música universal não quer um melhor do que outro. Queremos que cada um faça assim como Deus fez o mundo: juntar as coisas diferentes, para somar. Se for igual, não soma nada.
CM – Tom Zé diz que não existe mais nada de novo para ser criado na música. Vivemos, segundo ele, a era do plagiocombinador. Tudo que nasce de mais novo é combinação de coisas que já existem. O senhor concorda?
Hermeto – Em primeiro lugar, Tom Zé não é músico. Ele tinha é de morrer logo (risos). Não é nada pessoal. É uma coisa construtiva. Agora, a culpa é da imprensa que não tem repórteres especializados. Ele é um grande falante. Mas ele não é músico. Como é que a imprensa considera esse cara músico? Essa história é conversa de quem não cria. É o que você perguntou antes que eu costumo falar. Só se mudam as coisas de lugar. São pessoas que já não têm mente mais. Como é que Deus ia colocar um ser humano na Terra que não pudesse criar. Mas o Tom Zé, como um cara conhecido, tem que respeitar a criatividade dos outros. Ele que fale: eu, Tom Zé, sou assim. Cuidado, meu filho. É melhor tirar o Tom e deixar só Zé. Morre uma árvore e nasce outra. Existe renovação em tudo. Sempre serão outras coisas. Não andamos à procura da criação. No fim, a criação é que nos procura."
domingo, fevereiro 12, 2006
Abruptapontamentos 3.
Tenho recebido alguns emails de pessoas amigas a comentarem os últimos acontecimentos: os cartoons de Setembro, mais os três acrescentados, pelo que consta, pelos Imãs dinamarqueses; as manifestações de protesto de ambos os lados, e claro, a questão da liberdade de expressão. O discurso, o logos, este transformar um certo silêncio em fala, este articular de palavras para formar uma frase, por uma necessidade, como diria Kant, de razão, ie, demanda de sentido, de significação, – nem sempre é claro e fácil. E origina por vezes, devido à falta de engenho de quem escreve ou à dificuldade auditiva de quem lê, interpretações incorrectas.
Nunca fui dado a silogismos e para falar verdade sempre me parecerem um tanto ou quanto infantis. Defendo que a liberdade é um espaço de pluralidade, que a pluralidade implica responsabilidade. O “e depois?” e “e depois? É proibido?” é um apelo à irresponsabilidade, é um apelo não à liberdade mas à libertinagem. Acho sinceramente que o “e depois?” foi um expressão infeliz de Pacheco Pereira. [ler Abruptapontamentos 2.]
O que me parece essencial, isso sim, é que não há pluralidade sem responsabilidade. E não há liberdade sem pluralidade. Ou antes, ontologicamente: é a liberdade que deixa ver, aparecer, a pluralidade humana.
Tornamo-nos responsáveis quando assumimos os nossos actos e respondemos por eles, como indivíduos no seio de uma sociedade com diferenças e semelhanças. A liberdade humana tem um nome, chama-se ética.
O caso dos cartoons e dos acontecimentos subjacentes e consequentes, para clarificar um pouco:
1. mostra por um lado, um povo desesperado e manipulado, um povo sem futuro, um povo asfixiado na sua própria miséria. A esperança de que o presente terá um futuro é a esperança de todo os ser humano. O desespero é a ausência de futuro.
2. Pedir desculpas pelos cartoons não faz sentido nenhum. Concordo com todos aqueles que se revoltam contra isso. O pejo de não os publicar é uma hipocrisia.
3. Instalou-se um pandemónio de histerismo circense nos media. Agora fazem-se concursos de cartoons lá e cá.
4. Sempre achei perigosa a expressão, em jeito de justificação para outros fins, “mas a razão está do nosso lado!”. São nestes momentos que devemos ter mais cuidado e atenção com os nossos actos. É por isso que argumentos falaciosos e perniciosos como o “e depois? É proibido?” me revoltam.
O que me assusta em tudo isto é o apelo e as justificações para a guerra, MAIS: a guerra ser apresentada, com argumentos capciosos, como inevitável.
Quanto ao choque das civilizações, toda a história da humanidade foi feita de choques e se calhar ainda bem que eles existem. Se não os queremos ver… um dia, mais cedo ou mais tarde, iremos chocar com eles! Então diremos: "Eles existem!"
Um abraço de Domingo
Horácio
sábado, fevereiro 11, 2006
Para nós que transformamos um certo silêncio em fala
As três peneiras de Sócrates (verdade, bondade e utilidade) caíram em desuso. Hoje é apenas uma fábula que se conta para as crianças adormecerem. Uma fábula de animais que transformam um certo silêncio em fala.
Assim Habito
sexta-feira, fevereiro 10, 2006
“É isso que eu procurei a vida inteira: alguém que me dissesse que é possível viver sem culpas.” (Marilena Chauí, Diálogo com Bento Prado Jr., Folha de S. Paulo, 13 de março de 1999.)
“Viver sem culpas” é um objetivo que toda a cultura progressista oferece à humanidade. O sentimento de culpa é condenado como um resíduo de antigas tradições repressivas, que deve ser abandonado às portas de uma nova era de felicidade e realização pessoal. Esse é hoje um ponto de acordo entre adeptos das correntes mais opostas. Sacramentada pelo consenso, a condenação da culpa tem tantas legitimações diversas, que na verdade já não precisa de nenhuma delas e vive perfeitamente bem como uma auto-evidência que prescinde de argumentos.
Mas o que é, propriamente, viver sem culpas? Sobretudo, qual a nuança precisa que tem em vista aquele que nos propõe esse objetivo?
Só há três sentidos em que um ser humano pode ser dito isento de culpas. A primeira hipótese é a da inocência, a efetiva inocência de Adão no Paraíso, do Bom Selvagem ou da infância num filme da Disney. A Bíblia e Rousseau, com muita precaução, remeteram essa hipótese a um passado mítico. Santo Agostinho confessava-se perverso desde o berço, e o pouco que ainda pudesse restar de credibilidade na imagem da inocência infantil foi impiedosamente desmoralizado pelo dr. Freud.
O desejo de “viver sem culpas” não teria o menor atrativo para as almas se apelasse a uma idéia desacreditada. Não pode ser portanto a inocência primordial o que o moderno progressismo tem em mente quando nos convida a “viver sem culpas”. A inocência completa e absoluta é um mito, uma qualidade divina que ninguém pode realizar neste mundo.
Um segundo sentido em que se pode “viver sem culpas” é o da inocência relativa, trabalhosa e periclitante em que o homem consegue se manter quando se abstém conscientemente de fazer o mal e, se o faz, procura remediá-lo com devotada boa-fé. É uma norma de perfeição razoável ao alcance de muitos seres humanos.
Mas não pode ser esse o sentido de “viver sem culpas”, pois a possibilidade de um homem corrigir o mal que fez repousa inteiramente no sentimento de culpa que o acomete quando peca; e para refrear-se de fazer novos males ele tem de conceber em imaginação a culpa que sentiria se os fizesse.
Nesse sentido, a inocência relativa não é de maneira alguma viver sem culpas: é, precisamente, valorizar o sentimento de culpa como uma bússola que nos guia para longe do mal.
Mas “viver sem culpas” pode significar ainda uma terceira coisa: pode significar a abolição pura e simples da idéia de culpa. Neste caso, faça o indivíduo o que fizer, seus atos não serão examinados sob a categoria da culpa, do arrependimento, da pena e da reparação. Não importando a natureza desses atos nem as conseqüências que deles decorram para terceiros, serão sempre enfocados de modo a evitar o constrangimento de um acerto de contas moral. Poderão ser explicados sociologicamente, psicologicamente, pragmaticamente, ser avaliados em termos de vantagem e desvantagem, descritos em termos de desejo, gratificação e frustração. Só não poderão ser julgados.
Este último sentido é, com toda a evidência, o único em que é possível, na prática, “viver sem culpas”. É ele, evidentemente, que os ideólogos modernos têm em vista quando oferecem à humanidade esse ideal de futuro.
Mas, no presente, já há muitas pessoas que vivem sem culpas, que não se submetem ao exame da consciência moral, que não se sentem constrangidas quando suas ações produzem danos para terceiros. Chamam-se sociopatas. Não são doentes mentais, nem retardados. São indivíduos inteligentes, capazes, não raro dotados de certa genialidade e impressionante desenvoltura social, e apenas desprovidos de sensibilidade moral para sentir culpa pelos seus atos. Entre eles encontram-se assaltantes, traficantes, chefes de gangues – e todos os líderes de movimentos totalitários, sem exceção. Quem deseje ser como eles sente seu coração bater forte, cheio de esperança, quando ouve alguém anunciar que é possível viver sem culpas.
Nossa civilização começou quando Cristo ordenou ao apóstolo: “Toma tua cruz e segue-me.” Dois milênios depois, o ideal que se anuncia é jogar a cruz fora, pouco importando em cima de quem ela caia, e seguir correndo o carro da História, pouco importando quem ele venha a esmagar pelo caminho.
Abruptapontamentos 2 - O "e depois?" de Pacheco Pereira
Hoje Fernando Bonito escreve, e bem, no Abre-Surdo de forma incisiva e perspicaz acerca de um artigo de Pacheco Pereira publicado no jornal Público e no seu blog Abrupto:
Hoje li no "Abrupto" do Pacheco Pereira um texto sobre a polémica dos cartoons, em que ele aproveita para reforçar a idéia de que estamos todos numa guerra que ele julga ser entre a CIVILIZAÇÃO e a BARBÁRIE (quem são elas?). Interessou-me esta idéia:
"... não quero saber se houve intenção de ofender (e depois?), de fazer propaganda anti-islão (e depois?), de ser simplista na representação do "martírio" (e depois?), de rebaixar Maomé (e depois?) de associar o islão ao terrorismo (e depois? É proibido?). É acaso proibido representar Deus-pai como um velho lúbrico como faz Vilhena e Crumb, e Cristo como um alegre imbecil como fizeram os Monty Python? É que se não é para defender este direito de se exprimir no limite das nossas crenças, a liberdade não serve para nada. ".........
que me sugere o seguinte pensamento:
olhando para este mundo de 6.000 milhões de pessoas, parece-me perceptível que em reacção (à toda a acção, corresponde uma!), haveria os que se ririam e rebolariam com o humor dos cartoons (os "civilizados"?!), os que fariam uma reflexão séria e profunda sobre a mensagem implícita (os "civilizados pensadores"), os que não reagiriam ("civilizados passivos"?!), os que se indignariam silenciosamente ("serão civilizados"?!) e os que se indignariam com violência [a personificação da "barbárie"; os do outro lado da "linha ténue"...]. Será que eles (do outro lado da barricada) também "não querem saber"? será que também pensam: "e depois?".....pois é, estamos em guerra! vale tudo, não?
de Fernando Bonito
O "e depois?" de Pacheco Pereira é um apelo à inconsequência dos nossos actos, das nossas palavras, um outro modo de desresponsabilização do tipo “estou-me bem a lixar!” .
É arrepiante ver os argumentos simplistas, populares e capciosos de Pacheco Pereira. Esta falácia perniciosa que Pacheco Pereira utiliza, a do argumento do “e depois? É proibido?” é um apelo à estupidez humana, não à liberdade com o horizonte comum da pluralidade humana. A liberdade não é o desprendimento quanto ao poder ou não fazer. Ela não se define apenas como um contraponto ao proibido. Na realidade ela não se define ( não se limita) por essência.
A liberdade é, antes de tudo isso, a fonte, o onde de onde emerge e jorra a pluralidade. E neste sentido não impede, nem restringe. Mas é neste espaço, nesta abertura, em que a pluralidade se manifesta, em que o outro, aparece, dá-se a ver como o outro. E aqui sim, começa a nossa liberdade, a ética!
Horácio