quarta-feira, fevereiro 07, 2007

No trilho de Naná

O percussionista Naná Vasconcelos lança “Trilhas”, com composições próprias pata balé, teatro e cinema. Trabalho do artista pernambucano é registrado em documentário de Paschoal Samoura.

Naná Vasconcelos, de 62 anos, só se deu conta de que a voz é o elemento mais forte do cd Trilhas depois que o álbum ficou pronto. Coletânea dos principais trabalhos do percussionista e compositor pemambucano para cinema, teatro e dança, o disco chega ao mercado no momento em que o artista comemora 50 anos de carreira, ainda que ele renegue a importância da data. Essa história de cinquentenário é horrível. Parece que estou prestes a me aposentar, quando, na verdade, eu me sinto com 26 anos.


Paralelamente, o percussionista protagoniza o documentário Diário de Naná, do diretor paulistano Paschoal Samoura, de 38 anos. Premiado pela Associação Brasileira de Documentaristas (ABD) no festival É Tudo Verdade, em São Paulo, acaba de ser selecionado para a mostra competitiva do Festival de Amsterdã, na Holanda. Na seqüência, o filme será exibido no Festival de Havana, em Cuba. "O som de Naná beira o divino, o sagrado", derrama-se Paschoal. O músico fez a trilha sonora do primeiro filme dele, o documentário Confidências do Rio das Mortes (1998), rodado em Minas Gerais.

Enquanto não saem em disco as canções de Diário de Nana, criadas enquanto o filme era rodado entre Salvador e o Recôncavo Baiano, os fãs do pernambucano podem se deliciar com Trilhas. No cd, destaca-se o trabalho de Naná para o longa-metragem Quase dois irmãos, de Lúcia Murat, e o balé Corpos de luz, da Cia. Dança Vida, de Ribeirão Preto. No repertório, há também Incelença, peça composta para a Cia. Balé de Rua, de Uberlândia, inspirada nos cantos de velório, de domínio popular.

Engraçado. Quando as pessoas me procuram para fazer uma trilha, quase sempre querem que eu use a voz, conta Nana. Basicamente, ele lança mão da harmonia e do berirnbau para compor. Não sou cantor, nem gosto de pensar nisso; reage, admitindo que usa o recurso quando não tem alternativa. "Dois irmãos", por exemplo, eu queria que fosse cantada por Milton Nascimento, revela. O cantor só não gravou o tema do filme de Lúcia Murat porque tinha compromissos na época. Eu também não sou letrista, ressalta Naná. De repente, ele se vê fazendo coisas a que não costuma se dedicar - como letras de música e cantar no cd "Trilhas".

Segundo Naná, seu timbre gutural, a voz não afinada (mas não desafinada) e semitonada despertam interesse não apenas no Brasil. Pat Metheny é um dos que gostam; afirma, citando o guitarrista americano como um dos fãs de sua música original. Ao compor uma trilha sonora, Naná Vasconcelos pensa, obrigatoriamente, no potencial do aspecto visual, que, em sua opinião, é muito grande.

Já em meus shows, gosto de contar histórias por meio do som. Componho pensando no cenário, esclarece, lembrando que a influência vem do mestre Heitor Villa-Lobos, cujo Trenzinho caipira é exemplo do gênero musical que ele gosta de trabalhar. Villa-Lobos me mostrou esse lado da composição, revela.

Milton Nascimento, com quem Naná trabalhou, também é autor de forte potencial musical, na opinião do percussionista. Quando ele mostrou Pai grande, pensei imediatamente na história de um navio negreiro. Pedi e ele deixou que eu colocasse esse navio descendo O Rio Amazonas, diz, relembrando, poeticamente, a época em que integrava a banda do líder do Clube da Esquina A estréia de Naná em trilhas sonoras ocorreu no cinema em 1970, com "Pindorama" de Arnaldo Jabor.

Uma década depois, Glauber Rocha, com quem ele morou em Nova York, incluiu a canção Amazonas no filme "Idade da Pedra". Na dança, os convites vêm principalmente de companhias contemporâneas do exterior, como o Hamburg Ballet, da Alemanha Na França, chegou a fazer trilhas para telenovelas. Entre os filmes que musicou, estão "Procura-se Susan desesperadamente", de Susan Seidelman, "Daubailó", de Jim Jarmusch, e "Amazonas", de Mika Kaurismãki.

Gosto de trabalhar com diretores e coreógrafos para a gente poder respirar juntos; afirma o percussionista. Ele explica que, assim, pode encontrar o momento do silêncio que sua música sabe explorar tão bem Apesar do uso desse recurso em praticamente todo o disco, Naná acredita que o primeiro instrumento seja, realmente, a voz. Mas o melhor é o corpo, que gosto de utilizar ao vivo, não em gravações. O corpo é bonito de ver. Essa é uma expe. riência para ser vivida.

Em Diário de Naná, do diretor Paschoal Samora, o percussionista e compositor busca o sagrado. Nunca tinha estado lá Sugeri que o filme fosse no Recôncavo Baiano, porque ali estão as grandes figuras do afro, que nunca desceram para Salvador diz. Além das cenas da capital, há tomadas em Santo Amaro, Cachoeira e São Félix. Na verdade, trata-se do diário de um viajante, em que o percussionista traz à tona a música e a cultura da região. Naná é estrangeiro o suficiente para fazer essa incursão no Recôncavo Baiano'; diz Paschoal Samora, lembrando que, além de pemambucano de origem, o artista morou muito tempo no exterior.

A idéia do filme é mapear os sons que só se produzem lá, diz o diretor. Além de Dona Edith do Prato, Virgínia Rodrigues e o grupo Meninos do Bagunçaço, o Diário de Nana traz à cena as mães-de-santo Baiacu Luiza, que morreu dias depois das filmagens, e Filhinha Nossa intenção era de que algo se transformasse em Naná e não apenas que ele fizesse uma viagem. A idéia era um filme de descoberta, acrescenta Paschoal.

De acordo com ele, o documentário promove a viagem de Naná para dentro de si, de suas raízes e histórias, incluindo as raízes africanas. Além de tocar, o percussionista aparece pesquisando sons da cultura e da natureza - do mar à feira e ao trem. Diário de Naná deve chegar aos cinemas no ano que vem, para ser exibido na Tv e lançado em dvd.

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