sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Abruptapontamentos 2 - O "e depois?" de Pacheco Pereira

Ontem abruptamente (um apontamento abrupto) resolvi escrever em jeito de nota um comentário acerca da liberdade de expressão, e da frase, do slogan que por aí prolifera: "Liberdade absoluta de expressão".

Hoje Fernando Bonito escreve, e bem, no Abre-Surdo de forma incisiva e perspicaz acerca de um artigo de Pacheco Pereira publicado no jornal Público e no seu blog Abrupto:

----------------------------------------------------------------------------

Hoje li no "Abrupto" do Pacheco Pereira um texto sobre a polémica dos cartoons, em que ele aproveita para reforçar a idéia de que estamos todos numa guerra que ele julga ser entre a CIVILIZAÇÃO e a BARBÁRIE (quem são elas?). Interessou-me esta idéia:

"... não quero saber se houve intenção de ofender (e depois?), de fazer propaganda anti-islão (e depois?), de ser simplista na representação do "martírio" (e depois?), de rebaixar Maomé (e depois?) de associar o islão ao terrorismo (e depois? É proibido?). É acaso proibido representar Deus-pai como um velho lúbrico como faz Vilhena e Crumb, e Cristo como um alegre imbecil como fizeram os Monty Python? É que se não é para defender este direito de se exprimir no limite das nossas crenças, a liberdade não serve para nada. ".........

que me sugere o seguinte pensamento:

olhando para este mundo de 6.000 milhões de pessoas, parece-me perceptível que em reacção (à toda a acção, corresponde uma!), haveria os que se ririam e rebolariam com o humor dos cartoons (os "civilizados"?!), os que fariam uma reflexão séria e profunda sobre a mensagem implícita (os "civilizados pensadores"), os que não reagiriam ("civilizados passivos"?!), os que se indignariam silenciosamente ("serão civilizados"?!) e os que se indignariam com violência [a personificação da "barbárie"; os do outro lado da "linha ténue"...]. Será que eles (do outro lado da barricada) também "não querem saber"? será que também pensam: "e depois?".....pois é, estamos em guerra! vale tudo, não?

de Fernando Bonito

-------------------------------------------------------------------------

A própria expressão "e depois?" é um burgess(o)ismo intelectual arrepiante. E mais ainda, acrescenta Pacheco Pereira:"e depois? É proibido?", isto é de uma infantilidade. E a ingenuidade não é para aqui chamada porque as intenções são claras. É nestas passagens que se vê o sentido que a palavra liberdade tem para alguns dos nossos gurus da praça. A liberdade é o horizonte que dá a ver, que deixa ser e aparecer, (a epifania) o outro; é o espaço comum da pluralidade humana, onde se estabelece e se discute as nossas diferenças.
O "e depois?" de Pacheco Pereira é um apelo à inconsequência dos nossos actos, das nossas palavras, um outro modo de desresponsabilização do tipo “estou-me bem a lixar!” .
É arrepiante ver os argumentos simplistas, populares e capciosos de Pacheco Pereira. Esta falácia perniciosa que Pacheco Pereira utiliza, a do argumento do “e depois? É proibido?” é um apelo à estupidez humana, não à liberdade com o horizonte comum da pluralidade humana. A liberdade não é o desprendimento quanto ao poder ou não fazer. Ela não se define apenas como um contraponto ao proibido. Na realidade ela não se define ( não se limita) por essência.
A liberdade é, antes de tudo isso, a fonte, o onde de onde emerge e jorra a pluralidade. E neste sentido não impede, nem restringe. Mas é neste espaço, nesta abertura, em que a pluralidade se manifesta, em que o outro, aparece, dá-se a ver como o outro. E aqui sim, começa a nossa liberdade, a ética!

Horácio
eXTReMe Tracker