Há um ano, na fonte do Horácio, era assim... sem tirar nem pôr:
Uma carta de Natal
Viva Horácio,
resolvi escrever um pequeno conto de Natal. Sem uma razão maior do que a falta dela, aqui vai:
Os convivas chegaram e o burburinho é muito. Na noite de Natal há que se estar e ser-se feliz. Na noite de Natal tem de se ser sim-pático mesmo que o páthos dos convivas ou familiares nos seja desconhecido. Há que perguntar e ser “perguntado”: então como vai a vida? E em breves instantes, por entre apertos de mão e uns quantos beijinhos no hall de entrada, responde-se sorrindo que tudo corre bem.
Estou bem. Não há maior artifício que este para um diálogo de ocasião. Não há controvérsia possível quando se diz que se está bem. E poucos são aqueles que insistem na mesma questão: Mas está tudo mesmo bem? Aí, um aceno com a cabeça ou um simples sim costuma ser suficiente.
Avançamos todos para a sala de estar, por entre graçolas e gargalhadas como se fossemos íntimos, celebrando o vazio da comunicação.
No entretanto do jantar, por entre os pinhões e avelãs, fala-se mais um pouco. Repetem-se as perguntas e respostas do hall de entrada, mas desta vez com um pouco mais de entoação: Então como estás? (acompanhado com uma palmadinha nas costas) Estou bem. E tu? Também estou bem. Tenho trabalhado muito, estas férias vieram mesmo a calhar. E fica-se a olhar para o fundo da sala à procura de uma pergunta interessante para se fazer, mas não ocorre nada.
Então ficamos ali apenas a sorrir. Mas há sempre alguém que começa a falar dos temas da “actualidade”: do Bush à Casa Pia, passando pela árvore de Natal em Belém, tudo é motivo de conversa para entreter o tempo. E enquanto um fala, os outros esperam irrequietos, como putos no Natal, pela graçola para encenar a gargalhada final. Nisto alguém anuncia que o jantar vai ser servido e é o alívio. A partir de agora já temos um motivo para estarmos calados. É que não se deve falar com a boca cheia. Não sei se sabes.
Já sentados, fala-se um pouco do vinho, elogia-se o bacalhau e recorda-se o último Natal: Lembras-te do primo Ernesto que no último Natal adormeceu debaixo da árvore? E do David que tropeçou no cadeirão ao passar a garrafa de vinho ao Tio João?
Durante o jantar os temas da “actualidade” aparecem, novamente, do nada: do Santana ao Sócrates, passando pelo Portas é tudo a mesma cena musical: o jingle bell do vazio. Daí até às prendas é um instante, interrompido apenas por uns quantos berros dos miúdos já enfadados com a interminável espera.
A hora de abrir as prendas é o momento crucial da noite de Natal. Independentemente de gostarmos ou não do que recebemos, retribuímos sempre com um sorriso ou com um par de beijinhos. Dá-se uns gritinhos histéricos para encenar a surpresa. Fita-se por momentos a prenda para mostrarmos o nosso apreço e voltamos a olhar para quem nos oferece, como que a dizer gostei muito.
No final da noite contemplam-se as prendas dos outros dizendo que são giras e há ainda quem teime em dissertar sobre as tristezas e tragédias da humanidade. Segundos depois estamos todos no hall de entrada:
Então está tudo bem!
Sim. Está tudo bem.
Um grande beijinho Horácio. Espero por noticias tuas.
Viva Horácio,
resolvi escrever um pequeno conto de Natal. Sem uma razão maior do que a falta dela, aqui vai:
Os convivas chegaram e o burburinho é muito. Na noite de Natal há que se estar e ser-se feliz. Na noite de Natal tem de se ser sim-pático mesmo que o páthos dos convivas ou familiares nos seja desconhecido. Há que perguntar e ser “perguntado”: então como vai a vida? E em breves instantes, por entre apertos de mão e uns quantos beijinhos no hall de entrada, responde-se sorrindo que tudo corre bem.
Estou bem. Não há maior artifício que este para um diálogo de ocasião. Não há controvérsia possível quando se diz que se está bem. E poucos são aqueles que insistem na mesma questão: Mas está tudo mesmo bem? Aí, um aceno com a cabeça ou um simples sim costuma ser suficiente.
Avançamos todos para a sala de estar, por entre graçolas e gargalhadas como se fossemos íntimos, celebrando o vazio da comunicação.
No entretanto do jantar, por entre os pinhões e avelãs, fala-se mais um pouco. Repetem-se as perguntas e respostas do hall de entrada, mas desta vez com um pouco mais de entoação: Então como estás? (acompanhado com uma palmadinha nas costas) Estou bem. E tu? Também estou bem. Tenho trabalhado muito, estas férias vieram mesmo a calhar. E fica-se a olhar para o fundo da sala à procura de uma pergunta interessante para se fazer, mas não ocorre nada.
Então ficamos ali apenas a sorrir. Mas há sempre alguém que começa a falar dos temas da “actualidade”: do Bush à Casa Pia, passando pela árvore de Natal em Belém, tudo é motivo de conversa para entreter o tempo. E enquanto um fala, os outros esperam irrequietos, como putos no Natal, pela graçola para encenar a gargalhada final. Nisto alguém anuncia que o jantar vai ser servido e é o alívio. A partir de agora já temos um motivo para estarmos calados. É que não se deve falar com a boca cheia. Não sei se sabes.
Já sentados, fala-se um pouco do vinho, elogia-se o bacalhau e recorda-se o último Natal: Lembras-te do primo Ernesto que no último Natal adormeceu debaixo da árvore? E do David que tropeçou no cadeirão ao passar a garrafa de vinho ao Tio João?
Durante o jantar os temas da “actualidade” aparecem, novamente, do nada: do Santana ao Sócrates, passando pelo Portas é tudo a mesma cena musical: o jingle bell do vazio. Daí até às prendas é um instante, interrompido apenas por uns quantos berros dos miúdos já enfadados com a interminável espera.
A hora de abrir as prendas é o momento crucial da noite de Natal. Independentemente de gostarmos ou não do que recebemos, retribuímos sempre com um sorriso ou com um par de beijinhos. Dá-se uns gritinhos histéricos para encenar a surpresa. Fita-se por momentos a prenda para mostrarmos o nosso apreço e voltamos a olhar para quem nos oferece, como que a dizer gostei muito.
No final da noite contemplam-se as prendas dos outros dizendo que são giras e há ainda quem teime em dissertar sobre as tristezas e tragédias da humanidade. Segundos depois estamos todos no hall de entrada:
Então está tudo bem!
Sim. Está tudo bem.
Um grande beijinho Horácio. Espero por noticias tuas.
3 Comments:
Felizmente não conheço este tipo de Natal. Sorte a minha. :-)
M
Oi, Horácio,
Nunca faço planos fora do comum para a minha vida. Nada de grandes conquistas, ganhos maravilhosos, felicidades fora do comum, delírios. Apenas penso em viver!
Desfrutar da minha família, curtir minhas doces manias, curtir nossos blogues, receber suas visitas, responder ao seu comentário, sentir esse carinho simples e gostoso. Retribuir!
Seguir fazendo a minha querida Arquitetura, minhas pequenas obras, algum dia, quem sabe tentar escrever, entalhar as minhas madeirinhas, essas coisinhas a tôa!
Nunca possui grandes ambições! Sou um quase exemplo a não ser seguido. Quase um modelo a ser evitado. Mas, com muita paz e muita felicidade.
Essa mesma Paz, outro tanto de Felicidade e todas as Realizações, com a dimensão que cada um queira imaginar para si, é o que desejo ao querido amigo e sua família. Forte abraço,
fernando cals
FELIZ NATAL PARA TODOS!
que bonitas palavras, Fernando! Essa paz, essa tranquilidade de alma, esse jeito estóico de ataraxia :-)... e a família, os amigos, os afectos, como lhe percebo Fernando!, também eu faço deles o meu recesso, a minha casa, o meu jardim...., o meu mundo: ela é o princípio, a arché, a arquitectura do mundo que sonhamos construir.
um grande abraço Fernando e Feliz natal para os si e para os seus
Horácio
Enviar um comentário
<< regressar...