quinta-feira, janeiro 12, 2006

Saíndo pelo telhado

Se o que está acontecendo no mundo é da ordem da fatalidade natural - do género das cheias do rio Amarelo ou das pestes da idade Média -, ainda nos resta a saída pelo telhado: tentar «pensar» o que, com aparência de irrestível, nos ameaça.

Eduardo Lourenço, O Esplendor do Caos

O que sobrou do céu?

Chegam três ou quatro acordes (um pouco como a moral provisória de Descartes) para fazer uma boa música pop. Adiciona-se o bom gosto, o talento, a irreverência e uma letra que estremeça as nossas rotinas. E sai qualquer coisa assim, com o volume no máximo:

O, la lá, o la lá, ê ah
O, la lá, o la lá, ê ê

O, la lá, o la lá, ê ê ah
O, la lá, o la lá, ê ê

Faltou luz mas era dia, o sol invadiu a sala
Fez da TV um espelho reflectindo o que a gente esquecia

Faltou luz mas era dia... di-ia
Faltou luz mas era dia, dia, dia

O som das crianças brincando nas ruas
Como se fosse um quintal
A cerveja gelada na esquina
Como se espantasse o mal

O chá pra curar esta azia
Um bom chá pra curar esta azia
Todas as ciências de baixa tecnologia
Todas as cores escondidas nas nuvens da rotina

Pra gente ver... por entre prédios e nós...
Pra gente ver... o que sobrou do céu... o la lá

de O Rappa, O que sobrou do céu


adenda: pensava falar do último álbum da carioca Joyce, em parceria com o baiano Dori Caymmi, e de Complete In a Silent Way Sessions de Miles Davis…mas : Oh, la la! Que música!

terça-feira, janeiro 03, 2006

E assim vou entrando com o pé o mais direito possível

A minha segunda máxima era a ser o mais firme e mais resoluto que pudesse nas minhas acções e, uma vez que me tivesse decidido, não seguir menos firmemente do que as seguiria, se fossem muito seguras, as opiniões mais duvidosas. Nisto estou a imitar os viajantes que, perdidos em alguma floresta, não devem errar andando de um lado para o outro e menos ainda parar, mas sim andar sempre o mais direito possível numa mesma direcção, e não modificá-la, por frouxas razões, ainda que de principio só o acaso tenha determinado a sua escolha: porque, dessa maneira, se não chegam exactamente aonde desejam, pelo menos chegarão finalmente a algum lado, onde verosimilmente estarão melhor que no meio da floresta.

Descartes, Discurso do Método
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