domingo, fevereiro 12, 2006

Abruptapontamentos 3.

« (…) poderíamos interrogar-nos sobre a incapacidade da democracia para forjar uma linguagem especifica. (…) jamais a dissociação da realidade e do nome da democracia foi levada tão longe…(…) Atacando então a democracia com as suas próprias armas»

Nicole Loraux


Tenho recebido alguns emails de pessoas amigas a comentarem os últimos acontecimentos: os cartoons de Setembro, mais os três acrescentados, pelo que consta, pelos Imãs dinamarqueses; as manifestações de protesto de ambos os lados, e claro, a questão da liberdade de expressão. O discurso, o logos, este transformar um certo silêncio em fala, este articular de palavras para formar uma frase, por uma necessidade, como diria Kant, de razão, ie, demanda de sentido, de significação, – nem sempre é claro e fácil. E origina por vezes, devido à falta de engenho de quem escreve ou à dificuldade auditiva de quem lê, interpretações incorrectas.
Nunca fui dado a silogismos e para falar verdade sempre me parecerem um tanto ou quanto infantis. Defendo que a liberdade é um espaço de pluralidade, que a pluralidade implica responsabilidade. O “e depois?” e “e depois? É proibido?” é um apelo à irresponsabilidade, é um apelo não à liberdade mas à libertinagem. Acho sinceramente que o e depois? foi um expressão infeliz de Pacheco Pereira. [ler Abruptapontamentos 2.]
O que me parece essencial, isso sim, é que não há pluralidade sem responsabilidade. E não há liberdade sem pluralidade. Ou antes, ontologicamente: é a liberdade que deixa ver, aparecer, a pluralidade humana.
Tornamo-nos responsáveis quando assumimos os nossos actos e respondemos por eles, como indivíduos no seio de uma sociedade com diferenças e semelhanças. A liberdade humana tem um nome, chama-se ética.

O caso dos cartoons e dos acontecimentos subjacentes e consequentes, para clarificar um pouco:

1. mostra por um lado, um povo desesperado e manipulado, um povo sem futuro, um povo asfixiado na sua própria miséria. A esperança de que o presente terá um futuro é a esperança de todo os ser humano. O desespero é a ausência de futuro.

2. Pedir desculpas pelos cartoons não faz sentido nenhum. Concordo com todos aqueles que se revoltam contra isso. O pejo de não os publicar é uma hipocrisia.

3. Instalou-se um pandemónio de histerismo circense nos media. Agora fazem-se concursos de cartoons lá e cá.

4. Sempre achei perigosa a expressão, em jeito de justificação para outros fins, “mas a razão está do nosso lado!”. São nestes momentos que devemos ter mais cuidado e atenção com os nossos actos. É por isso que argumentos falaciosos e perniciosos como o “e depois? É proibido?” me revoltam.

O que me assusta em tudo isto é o apelo e as justificações para a guerra, MAIS: a guerra ser apresentada, com argumentos capciosos, como inevitável.

Quanto ao choque das civilizações, toda a história da humanidade foi feita de choques e se calhar ainda bem que eles existem. Se não os queremos ver… um dia, mais cedo ou mais tarde, iremos chocar com eles! Então diremos: "Eles existem!"

Um abraço de Domingo
Horácio

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