Obrigado Hermeto
Hermeto, ao vivo, é pura criação. Pedagogo, humanista, multi-instrumentista, compositor fabuloso, Hermeto é um homem que contagia com a sua energia, com a sua dis-posição, com a sua alegria e vontade de viver. A sua música, ao vivo, nasce e habita na incessante tensão entre o presente e o futuro: este por-vir, esta “vontade de chegar” que nos faz antecipar mas que é sempre um “tá chegando”. É neste ainda-não, que Hermeto agita as mãos, é neste transcender que Hermeto improvisa – é neste jogo de antecipar e estar aberto ao acontecer que o tempo se patenteia como o que de mais precioso temos e por isso Hermeto faz de cada instante o melhor instante possível e o oferece ao público. Obrigado Hermeto. Inesquecível! Sublime!
Hermeto Pascoal teclados e muito mais Fabio Pascoal percussão Marcio Bahia bateria Itiberê Zwarg e-bass Vinícius Dorin saxes e flauta André Marques piano
Fui ao baú, da Fonte, recordar alguns textos antigos de Hermeto:
Nascido no Estado pobre de Alagoas, no Nordeste do Brasil, ainda criança Pascoal foi atraído pelo que chamou de "a beleza sagrada e abertura da música".
Mas como tinha problemas visuais associados com sua condição de albino, os professores de música não o quiseram como aluno, dizendo-lhe que não seria capaz de ler ou escrever partituras.
Como resultado, teve que aprender a tocar instrumentos sozinho e é, em suas próprias palavras, "completamente autodidacta". Ele começou aos 7 anos com o acordeão, que ele tocava nos bailes do interior. Adolescente, mudou-se para a cidade grande de Recife, quando passou a tocar em programas de rádio.
"Não tínhamos nada lá na roça, nem rádio, nem piano, nem nada, então me sentia um órfão", lembra-se. "Até fazer 14 anos, eu tocava mais para os bichos, e essa experiência é parte da minha essência."
"Eu acredito em Deus e na música e no povo, no mundo."
Trecho de uma entrevista ao génio Hermeto Pascoal.
Trecho de uma entrevista ao génio Hermeto Pascoal.
Eu toco inclusive este aqui (mostra um copo com água) que é instrumento que eu toco muito no disco, eu toco uma música em homenagem a Miles Davis, aquele trompetista genial americano, meu amigo maravilhoso, eu toco uma música dedicada pra ele com esse instrumento aqui...com água, sendo que é com panela, com chaleira... Depois eu toco e respondo com trompete Flugelhorn, porque no disco do Miles que eu gravei com ele duas músicas minhas, que eu assovio e toco órgão para ele tocar também.
Então em retribuição à ele, em outro plano, a alma...é alma com alma; eu toquei o trompete imaginando...e eu brincava tocando no estúdio, e eu falava mentalmente com ele: "Agora eu sou o Miles branco da terra!" (risos) E ele dizia "Você tá tocando muito bem!", e eu digo "Legal! É por aí..." (risos). São essas conversas que acontecem na música quando a gente compõe e quando a gente tá tocando...
Então o Sr. é um bruxo mesmo, né?
É... cada um fala um negócio...
O Sr. acredita em quê?
Eu acredito em Deus e na música e no povo, no mundo.
O Sr. tem religião?
Tenho, é a música. Noutra religião não porque quando as pessoas vão para uma religião, elas vão porque saíram de uma coisa ruim, geralmente. Porque estavam doentes, querem se curar, ficar boas...as religiões estão hoje viradas propagandas. No meu tempo até que você podia aceitar, agora eu tô vendo nêgo com a vaidade acima das religiões. A vaidade abafando um pouco as religiões. Deus não botou nenhuma religião na Terra, só uma coisa, a religião que Deus botou no mundo é aquela coisa que você abraça pra fazer; o jornalismo, a música, qualquer profissão é a religião do ser humano...não tem coisa não. Quanto mais se fala em Deus, menos se pensa nele. Tem que se pensar mais em Deus.
…
Como foi que o Sr. aprendeu a escrever música?
Eu aprendi com a vida. A vida foi o meu professor. Tem até um disco meu que eu gravei, que na contracapa eu escrevi que o meu professor é o meu dom. Meu dom é o meu professor. Não é que foi, é que nunca existe a palavra "foi" e nem nunca existe futuro. Quando eu digo futuro é apenas força de expressão; o futuro é o presente, sempre o presente. O futuro é a vontade de chegar, não é isso? A gente tá chegando mas está sempre no presente.
Então eu sou assim: eu sou um cara imprevisível para fazer, eu não premedito nada. Por exemplo, tocando aqui com o pessoal, vocês viram como é que foi. A gente não ensaiou nada, não quer dizer com isso que seja uma coisa desorganizada, é uma coisa criativa. Eu sou o músico da feira! Toquei em porta da Igreja, toquei em casamento, toquei em enterro, toquei em tudo isso, toquei à noite pra dançar, toquei em baile... no tempo em que o cara dizia assim: "Se você não tocar essa música aqui, eu vou rasgar seu fole com a peixeira, seu cabra! Galego da peste! Você tem que tocar essa música aí!" (risos). Eu sou desse tempo...tudo enriqueceu muito a minha cabeça, pra fazer esse trabalho que eu chamo hoje em dia de Música Universal.
2 Comments:
tb estavas lá ontem :)
Foi bom ver que a sala encheu! mas vou confessar-te uma coisa: Hermeto é virtuoso, um excelente comunicador, o sexteto era fantástico... mas eu fiquei assim um pouco "desconsolada". Queria mais Hermeto ao piano ou no sopro(não aprecio muito o som do teclado). Tivemos um Hermeto mestre mas até o exercício que fez com o público está um pouco batido demais. E, no Jazz, gosto das surpresas nos improvisos, e não só dos improvisos. e não fui muito surpreendida!?
Gostei da irreverência, aquela entrada e a permissão para gravar, as mãos a abanar mas fiquei menos "perturbada" do que esperava. é capaz de ser uma questão de gestão de expectativa. lembras-te daquele solo no final, já nos encores? ah que intensidade! disso, queria mais :)
abraço
viva MRF,
tb gostava de ter visto Hermeto nos sopros...:-) Estou a lembrar-me das palavras de Aldir Blanc, na voz de Leila Pinheiro, em Chá de Panela: "vi que a música é tudo que avoa e rasga o chão. Foi Hermeto Pascoal que magistral me deu o dom de entender que do lixo do avião/ em tudo há tom. E que até pinico dá bom som se a criação é mais/se o músico for bom.". Mas percebo quando falas da "gestão de expectativas", aconteceu comigo aqui já há uns anos no coliseu num dos primeiros concertos, em Portugal, do Pat Metheny e tb quando o joão Bosco foi ao CCB.
um abraço MRF, foi bom ver aquela sala cheia de gente alegre ao som de Hermeto,
Horácio
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