sexta-feira, setembro 30, 2005

A fala é um gesto, e a sua significação um mundo

“ Vivemos em um mundo no qual a fala está instituída. Para todas essas falas banais, possuímos em nós mesmos significações já formadas. Elas só suscitam em nós pensamentos secundários; estes, por sua vez, traduzem-se em outras falas que não exigem de nós nenhum esforço verdadeiro de expressão e não exigirão de nossos ouvintes nenhum esforço de compreensão. Assim, a linguagem e a compreensão da linguagem parecem evidentes. O mundo linguístico e intersubjectivo não nos espanta mais, nós não o distinguimos mais do próprio mundo, e é no interior de um mundo já falado e falante que reflectimos. Perdemos a consciência do que há de contingente na expressão e na comunicação, seja junto á criança que aprende a falar, seja junto ao escritor que diz e pensa pela primeira vez alguma coisa, seja enfim junto a todos os que transformamos um certo silêncio em fala. Todavia, está muito claro que a fala constituída, tal como opera na vida quotidiana, supõe realizado o passo decisivo da expressão. Nossa visão sobre o homem continuará a ser superficial enquanto não remontarmos a essa origem, enquanto não reencontrarmos, sob ruído das falas, o silêncio primordial, enquanto não descrevermos o gesto que rompe esse silêncio.
A fala é um gesto, e a sua significação um mundo.”

Merleau- Ponty, Fenomenologia da Percepção, Martins Fontes, 1999, p.250.

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